segunda-feira, 23 de junho de 2008

Dunga sente na pele o que nomes como Telê, Parreira e Felipão já sentiram

Por: Globo.com
Sob pressão, técnico da seleção tem a difícil missão de convencer mídia, torcida e CBF
Vaiar, chamar o técnico de burro, protestar. É um velho costume, mais acentuado em alguns países do que nos outros. E o nosso é um dos mais eficientes no assunto. Nos últimos 30 anos, os comandantes da seleção brasileira sofreram com os protestos da torcida. Eles parecem ser inerentes ao cargo. Dunga é o nome da vez. O treinador ficou em situação difícil após o empate por 0 x 0 com a Argentina na última quarta-feira, pelas eliminatórias. Um resultado em si normal, mas que, combinado aos sucessivos fiascos diante de Venezuela e Paraguai, levou a uma situação extrema de impopularidade.


Telê Santana, atualmente considerado um dos maiores técnicos de todos os tempos do futebol brasileiro, sofreu com as críticas antes da Copa de 1982. Ele resolveu esquecer o esquema 4-3-3 e adotar na seleção brasileira o então inovador 4-4-2. Sem ponta-direita, a equipe passou a ser muito contestada. Com as fracas atuações, entre elas um empate por 1 a 1 com a Tchecoslováquia, no Morumbi, em que foi vaiado por mais de 107.000 torcedores, o treinador começou a sofrer com um bordão que fez muito sucesso. Era o "Bota ponta, Telê!", criado por Max Nunes e representado pelo humorista Jô Soares. Em um programa humorístico da TV Globo, o personagem Zé da Galera, pendurado ao telefone e com uma figura de Telê Santana presa à parede, se esgoelava.

- Bota ponta, Telê!

O grito logo se alastrou pelos estádios do Brasil. Virou clamor popular. Mas Telê resistiu, e o trabalho na Copa de 1982 é elogiado até hoje. O futebol da seleção encantou o mundo. Com Serginho e Éder no ataque, e sem ponta direita.

Telê Santana foi novamente criticado ao voltar à seleção para a Copa de 1986. O treinador resolveu cortar a principal revelação da equipe, o então ponta-direita do Grêmio Renato Gaúcho, que chegou tarde um dia à concentração. A decisão levou o lateral Leandro, melhor amigo do jogador, a pedir para também sair da seleção. E motivou uma charge no jornal "Zero Hora", de Porto Alegre: um burro com o rosto de Telê.

- Quando a torcida começou a chamar o treinador (Telê Santana) de burro, eu achei altamente ofensivo para os burros - disse Renato na época.


Tetracampeão Parreira sofreu

Carlos Alberto Parreira também sofreu em dose dupla. Após Telê Santana rescindir o contrato com a CBF em outubro de 1982, o treinador assumiu a seleção brasileira. Ele voltava ao país após cinco anos no Kuwait, que surpreendeu ao se classificar para a Copa da Espanha. Não demorou para a crítica aparecer. Após quatro jogos sem vitória na Copa América de 1983 e a perda do título para o Uruguai com um empate por 1 a 1 em Salvador, a revista "Placar' estampou em sua capa: "A voz do Brasil - Fora Parreira!". O presidente da CBF Giulite Coutinho assegurou a permanência do treinador, mas ele se foi no mês seguinte.

Parreira voltou a assumir a seleção em 1991. Logo se viu contra a parede. Em um empate com a Polônia por 2 a 2, em Ribeirão Preto, foi vaiado pelos torcedores, que gritaram o nome de Telê Santana, então no auge da carreira como treinador e recém-sagrado campeão mundial interclubes pelo São Paulo. Mas isso era pequeno em relação a pressão que Parreira teria pela frente. O povo queria Romário, que brilhava no Barcelona. Porém, o treinador brigou com o artilheiro durante um amistoso contra a Alemanha, em Porto Alegre.

O Baixinho não se conformou com a reserva e reclamou publicamente. O treinador não gostou e resolveu esquecê-lo das convocações. A pressão era imensa, diante das apagadas atuações da seleção. Para piorar, a CBF resolveu marcar um amistoso contra o Paraguai em São Januário. O Brasil venceu, mas os gritos por Romário ecoaram do primeiro ao último minuto.

A imprensa acusava Parreira de ser retranqueiro. Após o empate por 0 a 0 com o Equador na estréia das eliminatórias da Copa de 1994, o treinador pronunciou a célebre frase: "a bola entrar ou não é um pequeno detalhe", que ficou na história, distorcida, como "o gol é apenas um detalhe".

Na segunda rodada, O Brasil era derrotado pela primeira vez na história das eliminatórias: Bolívia 2 a 0. Parreira passou a ser o inimigo número 1 do país. No Morumbi, a torcida paulista não perdoou e começou a gritar "olê, olê, Telê, Telê". A seleção conseguiu vencer o Equador por 2 a 0, gols de Dunga e Bebeto, mas não teve jeito. Parreira precisou convocar Romário, que garantiu a classificação brasileira para a Copa de 1994 ao fazer dois gols em cima do Uruguai, no Maracanã.

Irmão de Zico, Evaristo e Lazaroni

Edu Coimbra, irmão de Zico e que havia levado o Vasco ao vice-campeonato brasileiro, assumiu o cargo em 1984. Durou apenas três jogos. No primeiro jogo, no Maracanã, perdeu por 2 a 0 para a Inglaterra. No segundo, no Morumbi, empate por 0 a 0 com a Argentina, no Morumbi, com direito a muitas vaias. Nem a vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai, no jogo seguinte, garantiu a permanência do treinador. Quando Arturzinho fez o gol do triunfo no segundo tempo, as vaias já tomavam conta do estádio Couto Pereira, em Curitiba.

Veio então Evaristo de Macedo, que já foi vaiado na primeira partida pela torcida mineira durante uma partida contra a Colômbia. Nervoso, o treinador batia boca com a imprensa, que segundo ele, fazia campanha pró-Zagallo. Nem uma vitória por 2 a 1 sobre a Argentina, em um amistoso em Salvador, melhorou o clima. João Saldanha escreveu no Jornal do Brasil: "O meio-campo com Dema, Alemão e Casagrande deve ser o mais fraco da história de nosso futebol, desde Charles Miller".

A irritação de Evaristo de Macedo com as críticas era tamanha que o treinador resolveu fazer uma greve de silêncio. Os jogadores, em solidariedade, seguiram o comandante. E a revista "Placar" estampou na capa as fotos dos 22 atletas com um "x" vermelho na boca de cada um com o seguinte título: "Burrice de Evaristo contagia a seleção. A culpa é da imprensa!". Com um clima pesado, a seleção perdeu o amistoso para o Chile por 2 a 1. Na volta ao Brasil, no desembarque no aeroporto do Galeão, Evaristo de Macedo quase foi agredido por torcedores. Para um deles, soltou a famosa frase: " Não sei como vou gastar meus cinco milhões de dólares", referindo-se à suposta indenização que receberia da CBF se fosse demitido. Mas o valor, na verdade, era bem mais modesto, em torno de US$ 50 mil.

Em uma época em que a maioria dos jogadores atuavam em território brasileiro, Sebastião Lazaroni sofreu com as preferências clubísticas dos torcedores. Na Copa América de 1989, o treinador foi muito criticado por não ter convocado o artilheiro Charles. Nos três primeiros jogos em Salvador, vaias e insultos na Fonte Nova. A paz só retornou quando a seleção foi jogar no Recife. O título viria dias depois. Mas as atuações insossas na Copa de 1990, com a seleção atuando com o líbero, marcaram negativamente o treinador.

Após Parreira ser campeão mundial em 1994, Zagallo assumiu a seleção. Após um período de calmaria, o Velho Lobo passou a ser criticado por causa da convocação de alguns jogadores. Com o título da Copa América de 1997, veio a histórica frase diante das câmeras: "Vocês vão ter que me engolir".

Vanderlei Luxemburgo assumiu após a Copa de 1998. E comprou a briga com os torcedores ao resolver não convocar jogadores acima dos 23 anos para a olimpíada de Sydney. O clamor popular, como sempre, era por Romário. O Brasil acabou eliminado nas quartas-de-final contra Camarões. O treinador vivia um "inferno astral" tendo problema com o fisco e respondendo a denúncias de adulteração do documento de nascimento. O adeus veio rápido. Com direito a uma capa da revista Placar: "gênio ou idiota!".

Em 2002, Leão viveu uma situação complicada. Nas eliminatórias, no jogo contra a Colômbia, no Morumbi, a seleção venceu por 1 a 0 com um gol de Roque Júnior nos últimos minutos. Mas antes os torcedores jogaram centenas de bandeiras do Brasil em direção ao campo.

Veio Felipão e a pressão por Romário, que foi afastado por questões disciplinares. O treinador chegou a ser questionado por torcedores nas ruas do Rio de Janeiro quando se encaminhava para a CBF, que na época ficava no Centro da cidade. Mas resistiu. E conquistou o penta.

Críticas não são novidades na carreira de Dunga. E poucos sabem dar a volta por cima como ele.

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