segunda-feira, 22 de junho de 2009

Opinião Edgard Soares: SUPREMA BESTEIRA!

Mala Esportiva: "A coluna está originalmente em http://futebolinterior.com.br/news.php?id_news=86234 , como o momento é oportuno, optamos por publicá-la, não somos contra as pessoas que implantaram a comunicação em lugar nenhum, mas jornalismo é coisa séria"

SUPREMA BESTEIRA!

Os amigos me pedem insistentemente e a direção de redação do FI também. O assunto é a desobrigatoriedade de diploma para se exercer a profissão de jornalista.

Assim, "espontaneamente", vou me manifestar:


Em primeiro lugar quero registrar: está tudo errado neste país.

Na cidade de São Paulo, o Forum do Jabaquara, fica na Vila Mariana. O de Pinheiros, na Vila Madalena. O de Santana, no Bairro do Limão.

Já as imagens e decisões do Supremo Tribunal Federal que agora nos chegam em casa e no computador, graças à moderna tecnologia, me fazem afirmar: nunca imaginei que o nível fosse tão baixo naquela Corte, como seus integrantes gostam que se diga.

Bastaria a recordação da paupérrima discussão entre os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa para se ter uma idéia do que ali ocorre.

Para começar, a dificuldade de expressão de ambos me faz lembrar a dos ex-jogadores de futebol que se metem a comentaristas, para ficarmos num campo em que conhecemos, você e eu, de perto. É incrível: eles não conseguem articular dois parágrados sem gaguejar. O vocabulário é pobre.

Isso para não falar do conteúdo: "O senhor não está falando com seus capangas de Mato Grosso...", sapeca um dali. E o outro retruca: "O senhor não tem condição de dar lição de moral a mim, nem a ninguém".

Meus Deus do céu! É do Supremo, a mais alta instância jurídica do país que estamos falando. Releia, por favor, o parágrafo acima. Ele está reproduzido "ipsis litteris". Não dá pra acreditar.

Uma frase é do Presidente do Supremo. A outra de um Ministro, considerado dos melhores da casa. Imagine-se os demais.

Pois bem, são senhores como estes, capazes de produzir este constrangedor diálogo que agora dizem por quase unanimidade (a exceção foi o juiz Marco Aurélio Mello): não há mais necessidade de se obter diploma universitário específico para se tornar jornalista profissional.

Antes de entrar no mérito, reparem na qualidade do argumento do Presidente do Supremo, Gilmar Mendes, para justificar seu voto: O jornalista "é como um excelente chefe de cozinha, que não precisa ter curso superior em culinária".

Está decretado o auto-didatismo não só em jornalismo, mas em todas as áreas!

Se você comprar bons livros sobre legislação, lê-los com atenção, poderá reclamar seus direitos de atuar como advogado. E utilizar a seu favor a mesma teoria do Supremo: estarão lhe tirando a liberdade garantida na Constituição de se expressar e de trabalhar, se o impedirem de fazê-lo.

Leia livros de psicologia, e se torne um Psicólogo.

Sinceramente: quero me mudar pra Paris.

De uma só penada, o Supremo informou aos milhares de estudantes das Faculdades de Jornalismo do país: você são todos uns trouxas. O dinheiro que seus pais ou vocês mesmos pagaram até aqui para as Faculdades foi jogado no lixo.

A argumentação, que também ouvi destes doutores, de que as Faculdades de Jornalismo são fracas e não formam necessariamente jornalistas de verdade é de um desatino e de uma incoerência constrangedores.

Ora, há 40 anos existem Faculdades de Jornalismo no Brasil. Se o Supremo tem informação de que algumas delas não cumprem sua função ou se, pior, todas não cumprem sua função, por que até agora estes guardiões da lei não fizeram nada a respeito?

Mais: depois desta decisão do Supremo, por que não interditam legalmente estas Faculdades de Jornalismo?

Creio que os senhores do STF ficaram na obrigação de tomar tal atitude.

Você, caro leitor, que me acompanha há anos, pode me perguntar:

"Mas então você acha absolutamente necessário a Faculdade específica para se formar um bom jornalista? E os exemplos de excelentes jornalistas que não foram à Faculdade de Jornalismo?"

Foi bom você perguntar.

Primeiro, que os "excelentes" jornalistas da nova geração, com menos de 35 anos e até de 40 anos, foram TODOS à Faculdade de Jornalismo.

Os que não foram possuem mais de 60 anos e não foram porque, principalmente, as Faculdades de Jornalismo não existiam quando eles eram jovens.

Ou seja, a Faculdade não diminuiu a qualidade dos jornalistas em atividade. Na minha opinião, inclusive, melhorou, na média.

Há casos antológicos de "jornalistas" analfabetos do passado, como o de Ibrahin Sued. Na verdade, todos do meio sabem, Élio Gaspari, hoje na Folha [de São Paulo] e Ricardo Boechat, hoje na TV Bandeirantes, é que escreviam para ele.

Na Folha da Tarde, em São Paulo, a história se repetia. O colunista Luís Álvaro Assumpção, o Meninão, não sabia escrever. Ele contava as notícias para Casemiro Xavier de Mendonça, que depois foi editor da Veja, e era quem de, fato, escrevia a coluna.

Mas Ibrahin e Meninão assinavam as matérias na maior cara de pau.

Será que estava certo? É assim que deve voltar a ser?

Outra coisa que confundem é o fato de existirem colunistas, articulistas, que não são jornalistas. Estes sempre existiram e continuarão a existir. São opiniões expressas com identificação de seus autores.

Não são jornalistas na acepção exata do termo. Não cobrem o cotidiano, não fazem entrevistas ou amplas reportagens às quais é necessário se dedicar, às vezes, por vários dias.

O que acontece é que para um país ser minimamente respeitado, ele precisa ter normas, princípios e que os mesmos sejam respeitados. Não podemos eternamente ser considerados "um país que não é sério", como disse certa vez o Presidente francês Charlles De Gaulle.

Estava cursando a Faculdade de Direito quando entrei no jornalismo. Obtive meu registro, anos depois, porque atuava profissionalmente na área, aliás no maior jornal do país, com carteira assinada e quase não havia cursos oficiais de jornalismo. Eram estas as regras. Mas havia uma data limite para tal, para se obter este registro, caso você cumprisse as exigências da legislação.

Se você buscar na história, verá que o alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, tinha este apelido porque era um prático que cuidava da boca das pessoas.

Não havia Faculdade de Odontologia no Brasil nos tempos da Inconfidência Mineira (1792), então um prático poderia exercer estas funções, pois alguém tinha que exercê-las.

Quando as Faculdades de Odontologia foram criadas no país mais de cem anos depois (somente em dezembro de 1.900, assim mesmo anexa à Faculdade de Medicina), os práticos, naturalmente, não mais puderam atender as pessoas. O que, de resto, foi uma atitude lógica, natural.

Os cursos de jornalismo também surgiram para regular o setor. Todo jornalista sério da velha guarda considerou um fato normal e auspicioso quando isso ocorreu. O mundo anda para a frente.

É claro que um jornalista recém-saído da Faculdade não terá nunca experiência de redação que ele, afinal, nunca frequentou. Mas isso é tão óbvio, que chega a ser ridículo como argumento. Um médico faz anos de residência e de aprendizado prático antes de abrir seu próprio consultório. Um arquiteto, um engenheiro, em qualquer profissão é assim.

Além disso, quando não existia Faculdade de Jornalismo, existiam igualmente focas, que não sabiam nada e entravam de curiosos nas redações. A verdade é que a grande maioria não dava em coisa alguma e ia para outra profissão. Mas sei de muito malandro que sem ter a menor inclinação para o jornalismo, conseguiu o emprego apenas para plantar informação que interessava a um determinado grupo.

Certamente os focas de ontem demoravam mais que um formando em jornalismo demora para aprender os macetes da profissão. Uma profissão da qual eles não tinham a menor informação.

Além disso, hoje, para se obter diploma, as Faculdades de Jornalismo exigem estágios dos alunos. É uma forma de prepará-los para o mercado.

Quando fui convidado por Armando Santana para dar aula na Faculdade de Comunicações Anhembi, na Rua Casa do Ator, Brooklin, onde Armando ocupava o cargo de diretor, o Curso tinha uma singularidade: os dois primeiros anos eram Básicos. Os quatro últimos semestres eram específicos: Jornalismno, Publicidade ou Relações Públicas. O aluno optava.

O mesmo aconteceu quando fui convidado para dar aula na Escola Superior de Propaganda, que ficava então na Rua Rui Barbosa, na Bela Vista e cujo diretor era Francisco Gracioso.

Em ambas as Faculdades eram sempre profissionais da ativa os professores.

Como possuía experiência comprovada na área, como tinha já meu registro de jornalista profissional e ainda como era diretor da Norton Publicidade, então a maior agência de publicidade brasileira, recebi após a feitura de um requerimento, o título, conferido pelo MEC - Ministério da Educação e Cultura, de Notório Saber, que me permitia dar aula.

Mas não fiquei satisfeito. Cursei à noite na Faculdade Santana, pertencente a José Storópoli, hoje UniSantana, um curso de Licenciatura Plena, embora já possuísse um diploma de Magistratura do Instituto de Educação Manoel de Nóbrega, onde estudei quatro anos.

Por que fiz isso? Porque como a maioria das pessoas que pensam, acredito na educação formal como forma de preparar os indivíduos para uma profissão.

Aliás, pensam assim, eu e o Governo e a população do Japão, da Alemanha e da Coréia do Sul que estão dando certo porque deram uma ênfase especial à Educação.

Se você quer mesmo trabalhar numa área, por que não se preparar técnica e pedagogicamente para fazê-lo?

Se você, por acaso, formou-se em Letras, mas descobriu mais tarde que gosta de jornalismo, por que não fazer um curso específico para atuar na profissão que considera a de sua vocação? No que isso vai lhe atrapalhar?

Nestes casos, quando a pessoa já possui uma formação superior, portanto, supõe-se que possui um razoável embasamento cultural, tudo bem que se apresse o processo. Vamos ganhar tempo. Diminui-se a duração de um curso específico de jornalismo para estas pessoas. Eliminam-se as matérias que já foram estudadas em outro curso superior. Ficam apenas as específicas e realmente necessárias para a área escolhida.

Afirmar que o jornalismo, com todo o respeito aos chefes de cozinha e designers de moda, como numa manifestação infeliz o fez o Ministro Gilmar Mendes, é algo que só depende de talento nato, é ofender à nossa inteligência. E de todos os educadores.

E ir contra tudo o que civilização aprendeu nos últimos séculos.

Aliás, pergunte-se a um Alexandre Herchcovitch, nosso maior estilista, se ele é contra a Faculdade de Moda? Indague-se a Alex Atala, esse badalado chef, se ele considera perda de tempo uma Faculdade de Culinária?

Só pra você saber: embora estrelas no seu metier, eles consideram a escola a única saída para se ordenar e elevar o nível de suas profissões.

Só sei que o Supremo perdeu uma ótima oportunidade de ficar quieto. Começo sinceramente a questionar os critérios para a escolha destes Ministros. Você sabia, caro leitor, que a escolha dos mesmos é meramente política? Que eles não fazem qualquer espécie de teste ou concurso para se instalarem vitaliciamente no Tribunal?

Que é sempre o presidente - hoje é o Lula - quem os escolhe, com critérios, digamos, absolutamente pessoais?

Que o Ministro do Supremo não precisa ter escrito um livro, ter defendido uma tese?

Que o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que recentemente demonstrou toda a sua sensibilidade ao país ao tratar da catástrofe do avião da Air France, já foi juiz do Supremo?
Aliás, foi seu Presidente?

Que a graciosa Ministra Ellen Gracie, foi reprovada internacionalmente recentemente a dois postos que almejava no exterior, após ser sabatinada em questões técnicas?

Pois é.

Para encerrar, por questão de lógica, se o Supremo não considera indispensável o diploma universitário de jornalismo para se exercer a profissão, que se fechem as Faculdades desta área.

Não o fazendo, os alunos estarão sendo, simplesmente, ludibriados.

Que este país é este?

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